Finalmente, chegou a nossa vez - e ali estávamos nós a caminho, aparentemente sem sorte nenhuma com o tempo. Chegámos, registámo-nos na entrada do Parque, junto à lagoa Amarga; caminhámos sete quilómetros até um local de campismo debaixo de rajadas de vento, umas molhadas, outras secas. Amuados, mastigámos uma sande e metemo-nos na tenda. Se nos perguntassem de que lado estavam as Torres, não sabíamos responder.
Mas isso foi só até abrirmos o fecho da tenda, na manhã seguinte: as Torres, douradas pelo sol matinal, estavam mesmo na nossa frente. Incongruentes, elevam-se a pique como os dentes partidos de uma serra, ao lado de uma montanha nevada e quase perfeita, que se reflecte num lago. Apercebemo-nos de que, para além da beleza, existe uma espécie de harmonia selvagem, um equilíbrio primário. E é impossível não querer mergulhar neste paraíso primordial, apesar de, no fundo, sentirmos que estarmos a mais.
As aves activavam-se. As estranhas bandurras, com um bico enorme, emitiam sons metálicos enquanto picavam no chão. Ali perto fica o rio que dá nome a tudo, o Paine, desdobrando-se em cascatas ruidosas. Preferimos subir pelo trilho que leva às Torres. Alguns nandus passeavam, e um deles parecia ter feito amizade com o pessoal de um refúgio, que o alimentava regularmente. Têm uns olhos meigos e pestanudos, uns furinhos no lugar das orelhas, e bufam como gatos quando estão furiosos. Famílias de guanacos também aproveitavam a bonança, junto ao rio. As mães amamentavam os mais pequenos, enquanto um ou dois jovens machos pareciam ser os vigias. Estes são os animais que mais evidenciam o êxito do Parque: existem em grande número e já não são muito assustadiços - os pumas também devem estar felizes com isso. Entre os que nunca vimos, mas que também aqui encontraram refúgio, conta-se o tímido veado huemul, em sério risco de extinção.
Atingimos o cimo do primeiro monte e fomos recompensados com a visão de três lagos de cores diferentes, um deles de um verde fantástico. Graças à pureza do ar e à quase completa ausência de poluição, as cores são homogéneas mas densas, ficando as surpresas e os contrastes, os verdes-esmeralda e os azuis-turquesa, reservados para os inúmeros lagos e lagoas provenientes do degelo. Atravessamos bosques sombrios, animados por ruídos de água; desertos de cascalho e areia, com declives fundos, em queda para o rio; pequeninos prados onde repousam troncos antigos, prateados por longos e duros Invernos. Finalmente, atingimos a antiga moreia de um glaciar que já não existe. Subimos com a ajuda das mãos. Trinta minutos mais tarde chegávamos ao sopé das Torres del Paine, na margem de um laguinho rectangular e pardacento. Vistas de perto ainda são mais estranhas, e agora junta-se-lhes a imponência. Não ultrapassam os dois mil e oitocentos metros de altura, mas são a pique, lisas, completamente nuas. Cada pedaço de neve que cai ecoa com estrondo nestas paredes de pedra, antes de resvalar até à água. O céu é de um azul glorioso e as Torres recortam-se, altivas, com o fumo branco de uma nuvem, esticada pelo vento, por detrás.
Metade do dia já tinha passado, mas foi difícil despedir-nos do cenário e das pedras da moreia, aquecidas pelo sol. Algumas tinham um estampado de líquenes escuros, em forma de árvore, que é coisa que não cresce por aqui. Antes do regresso, almoço de menu único: pão com queijo e cenouras, tudo regado com muita água fresca. Descemos antes do sol cair - a subida tinha-nos levado cerca de quatro horas, e o vento estava cada vez mais frio.
Metade do dia já tinha passado, mas foi difícil despedir-nos do cenário e das pedras da moreia, aquecidas pelo sol. Algumas tinham um estampado de líquenes escuros, em forma de árvore, que é coisa que não cresce por aqui. Antes do regresso, almoço de menu único: pão com queijo e cenouras, tudo regado com muita água fresca. Descemos antes do sol cair - a subida tinha-nos levado cerca de quatro horas, e o vento estava cada vez mais frio.
Nos dias seguintes, até regressarmos, a cada manhã perscrutávamos o horizonte, à procura da borrasca. Voltámos à entrada do Parque ameaçados por um céu escuro. Já perto da estrada, uma raposa farejava, aparentemente pouco incomodada connosco, ou com a presença activa dos guardas. O autocarro diário levou-nos até mais adiante, para continuarmos a exploração A estrada continua, passando em frente ao maciço do Paine Grande, o ponto mais alto do Parque, com três mil e cinquenta metros. Dos dois lados sucedem-se lagos de vários tamanhos, e centenas de guanacos curiosos espreitam o autocarro.
A sua lã espessa protege-os das temperaturas baixas e da humidade permanente. Uma das manadas, disposta em fila sobre uma colina e com o perfil despenteado pelo vento, podia ser o símbolo do Parque: selvagens, de uma elegância bravia, representam a adaptação máxima a um ambiente muito rigoroso. O equilíbrio é visível - só estes bichos podiam ser felizes aqui. Para nós, a natureza é intratável; para eles, é um paraíso.
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